Por Oseias Marques Padilha
A palavra energúmeno é utilizada para
designar uma pessoa possessa, endemoninhada, ou, se não quisermos apelar para
uma espécie de semiologia oriunda das profundezas, podemos encontrar na língua
portuguesa outras definições, como por exemplo, uma pessoa desequilibrada ou
descontrolada. A grande pergunta que todas essas informações suscita é: quais destas designações melhor se adéquam a Paulo Freire, o maior educador da
história do Brasil e um dos maiores do mundo? Eu ousaria dizer que as duas primeiras.
Calma! Tenho razões puramente etimológicas para isso.
A
palavra demônio radica no grego δαίμων
(daímon), e na antiguidade era
utilizada como referência a um espírito puro e intermediário, inferior as
demais divindades. Entretanto, por volta do século IX a.C., o grande poeta
Homero utilizava em seus versos épicos esta mesma palavra fazendo alusão a
divindades. Desse modo, pode – se perceber que a palavra demônio não era
compreendida como uma espécie de entidade puramente maligna ou diabólica,
acepção que vai adquirir uma maior predominância na cultura judaico-cristã.
Sócrates por exemplo, foi um
dos maiores energúmenos da história da Filosofia. O pensador grego, que fora
mestre de outro energúmeno chamado Platão, afirmava ser auxiliado por um demônio,
um espírito guia que por diversas vezes o havia livrado de vários perigos. Conforme
afirma Reale(1990, p.95), muitos estudiosos ficaram perplexos “diante desse daimonion. E as exegeses que dele foram
propostas são as mais díspares. Alguns pensaram que Sócrates estivesse
ironizando, outros falaram de voz da consciência, outros do sentimento que
perpassa o gênio.”. Independentemente do que realmente fosse esse daimonion, para Reale, não era ele a
fonte da reflexão filosófica de Sócrates. Porém, em seu julgamento, entre
outras questões, esta também acabou sendo levantada pelos acusadores de
Sócrates, embora em tom extremamente jocoso. Contudo, Sócrates foi condenado à morte pelo tribunal de Atenas por introduzir novas entidades divinas e
corromper a juventude. Na realidade, o que incomodava em Sócrates eram suas
interpelações, diante das quais eram capazes de soçobrar os mais incríveis sábios
de seu tempo. Sócrates foi condenado por querer que a juventude de seu tempo
pensasse.
Pensar envolve inquietações.
Quando somos inquietados por algo, é com este algo que nos ocupamos e muitas
vezes de forma absolutamente angustiante. Não é à toa que a expressão “possuir
demônios”, pode ser entendida também como uma metáfora para inquietações. E
nesse sentido, energúmeno, enquanto sinônimo de endemoninhado se adéqua perfeitamente
a Paulo Freire, um educador que durante toda sua vida, fora tomado por inquietações em face dos problemas sociais de seu tempo, muitos dos quais ainda
perduram, seja em maior ou menor intensidade, como por exemplo, o
analfabetismo.
Paulo Freire, criara um
método capaz de alfabetizar 300 pessoas em 40 horas, concentrando – se na
realidade vivida por elas cotidianamente. O educador brasileiro era movido pela
máxima apresentada em sua obra Pedagogia da Autonomia “ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção” (FREIRE, 2007, p.47). Desse modo, Paulo Freire
retira o aluno de uma condição essencialmente passiva no processo
ensino-aprendizagem, na qual o mesmo se apresentaria como um mero depósito de
conhecimento, a fim de posteriormente reproduzir o que lhe foi passado,
trazendo a lume a autonomia do discente neste processo. Enquanto o aluno aprende
ele também cria e constrói. Do mesmo modo, o professor aprende enquanto ensina.
Dá para perceber, que qualquer tentativa de rotular Paulo Freire como um
doutrinador, não passa de um profundo desconhecimento de seu pensamento, ou,
até mesmo uma falta de probidade intelectual. É importante destacar aqui
também, que Paulo Freire nunca foi terraplanista, nunca questionou o fato da
terra girar em torno do sol e também jamais foi contra o método científico.
Atitudes que aqueles que responsabilizam seu método de ensino e seu pensamento
pelo baixo desempenho do Brasil no PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes) praticam escancaradamente.
De Sócrates na Grécia
antiga à Paulo Freire no Brasil, o mundo foi habitado por diversos energúmenos.
Energúmenos certamente incomodam. Por esta razão, quando desafiam o poder e
instituições corruptas, e estão ligados à luta por justiça social, seus algozes
lançam mão das mais diversas técnicas de exorcismo. Mas vale o preço, pois como
disse Ludwig Fuerbach, outro energúmeno, “Prefiro ser um demônio aliado a
verdade, do que ser um anjo aliado a mentira”.
BORBA, Álvaro. LESNOVSKI, Ana. Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota. São Paulo : Planeta do Brasil, 2019.
FREIRE,Paulo. Pedagogia da Autonomia : saberes necessários à pratica educativa. São Paulo : Paz e Terra, 2007.
FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. Petrópolis, RJ : Editora Vozes LTDA, 2007.
GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego da Filosofia. WMF Martins Fontes, 2007.
REALE,Giovanni. DÁRIO, Antisseri. História da Filosofia - Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus,1990.
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