Anderson Balbinot
Professor de Filosofia do Estado do Rio Grande do Sul
Honro-me muito com o convite do Jonas,
editor deste blog, para preencher este espaço com algumas reflexões. Desde que
o conheci, mantive apreço a ele e seu espaço de divulgação da filosofia. Espero
contribuir com seus leitores e com o objetivo a que se propôs. Peço vênia para
me dirigir sempre em primeira pessoa, pois dessa forma me sinto mais próximo e
afeiçoado a meu leitor.
Quero ser claro e objetivo:
a filosofia é uma área do conhecimento
séria, relativamente demonstrável e com utilidade prática no cotidiano das pessoas. Através de discussões
filosóficas sobre temas clássicos da filosofia pretendo mostrar como ela possui
esses três atributos, que a aproximam mais das ciências do que de outras áreas
como a religião, o misticismo, a gnoseologia e outras ciências elocubratórias.
E além disso, quero demonstrar que a filosofia é a disciplina mais necessária
para que o homem contemporâneo tenha uma vida suficientemente razoável, ou
seja, a filosofia é uma disciplina essencial para que o ser humano médio entenda seu papel no mundo e consiga interagir com os demais de forma
qualificada. Me desculpem se a proposta soa um pouco reducionista da filosofia,
excluindo a diversidade de estilos e correntes: não é meu intento. Penso nessa
proposta como fruto de minhas reflexões pessoais, meu modo de ver a filosofia
particular, segundo minhas necessidades, de acordo com minha visão de sociedade
moderna, e não tem a pretensão de ser unânime. Não quero com isso desprezar
outras propostas, mas ao contrário, buscar o confronto de opiniões e diálogo.
Contudo, saibam que é uma proposta possível. Outrossim, não é nova, pois retoma
algumas correntes filosóficas e tenta refutar outras que até me atraem
simpatia. Destarte, é a proposta que considero mais adequada ao atual momento,
pois concebe a filosofia como instrumento de pensamento para solução de
problemas, fonte de reflexão sobre nossa vida concreta e ciência subsidiária
das demais na medida em que fornece o instrumental lógico-conceitual para o
pensamento coerente e para sermos criativos na adequada medida quando pensamos
soluções para os problemas. Creio que esses objetivos devem ser melhor
explicados, dada a assertividade das afirmações e a controvérsia das teses
sobre o assunto.
Devido ao fato de que a filosofia é a
primeira ciência, aquela sob os quais as outras se destacaram, a filosofia é o
ramo do conhecimento mais próximo das religiões. De fato, a filosofia nasceu do
questionamento hermenêutico dos mitos gregos, portanto, suas primeiras teses
foram bem próximas dos mitos, como por exemplo, a afirmação socrática de que um
deus lhe dizia o que ele próprio devia fazer, além de Parmênides escrever que
sua máxima sobre o ser ter sido proferido pela deusa. Entretanto, a filosofia
progride com o ser humano, de forma que há uma progressiva secularização até os
dias atuais: temos ciência de que atribuir a uma força externa um fundamento é
uma opção residual frente ao uso de explicações imanentes. Portanto, a
filosofia não se confunde com o mito ou religião, pois possui como fonte a racionalidade e leva em conta o processo de desenvolvimento científico. Isso quer dizer que os
juízos filosóficos não podem estar grávidos de pressuposições injustificadas,
não fundamentadas, nem podem negar os avanços consistentes da ciência. Por
exemplo, não chamaríamos filósofo alguém que diz literalmente, e não de forma
alegórica, que Deus criou a terra em sete dias e que é o sol que gira em torno
da terra, pois isso negaria algumas das verdades constatadas e evidenciadas
pelas ciências. Por outro lado, um filósofo pode ser religioso e acreditar em
alguma entidade sobrenatural, sem que isso comprometa suas teorias. A filosofia
e a religião não se anulam, mas possuem métodos e abordagens diferentes, embora
possam tematizar os mesmos assuntos como a origem do universo, a essência do
ser humano e os valores que guiam os comportamentos humanos.
Pois bem! A filosofia se aproxima
bastante das ciências naturais e humanas. De fato, a filosofia possui em comum
o fato de levar em conta as evidências fatuais, o avanço científico, usar
exclusivamente a fonte da racionalidade e articular seu discurso de modo
argumentativo. Entretanto, a filosofia possui objetos que são mais amplos que a
ciência, pois não estuda somente o que é, os fatos empíricos e verificáveis do
mundo, de alguma forma acessível aos instrumentos de medida naturais e criados.
A filosofia também tem por objeto coisas imateriais e não verificáveis, não
acessíveis aos sentidos e não mensuráveis. Posso citar como exemplo disso o
estudo sobre o bem, o fazer o bem estudado pelo ramo da ética. De fato, não
temos como ver, medir, calcular, pesar o bem de forma física. Contudo, podemos
comparar bens, ponderar valores que são considerados bons, argumentar no
sentido de algum determinado comportamento que consideramos bom. Isso mostra um pouco que a filosofia é uma
ciência não exata, mas um conhecimento capaz de gerar conclusões plausíveis,
embora limitados. Podemos citar como outro exemplo o problema de saber quem
deve governar uma comunidade, dado que temos exemplos empíricos de sucessos e
catástrofes com democracias, aristocracias e autocracias.
A conclusão desse problema só pode ser
resolvido no campo especulativo da filosofia. Não se trata de saber todas as
variáveis e as probabilidades de sucesso em tais ou tais cenários. Não se trata
de saber quais as formas de governo deram certo e tais e tais climas ou povos.
Não se trata de saber quem matou mais ou qual é o governo capaz de gerar mais
bem-estar para sua população. Trata-se, porém, de saber qual é idealmente,
abstratamente, com os recursos que temos, qual é o governo capaz de gerar um
resultado tal de acordo com o valor que a comunidade convencionou. A filosofia só é necessário nesse tipo de
problemas em que não somos capazes de levantar e analisar todas as variáveis, cabendo
ponderar somente com as que temos. Essas variáveis possíveis de serem
analisadas são os argumentos, que no
discurso são pesados e levarão a uma ou outra conclusão. Certa vez ouvi um
comentário de uma colega professora de história, de que a previsão do tempo
naqueles dias estava sendo tão exata quanto a filosofia, querendo dizer que a
variação de temperaturas e a o clima estavam imprevisíveis. Por isso, a
filosofia é uma disciplina relativamente
demonstrável. Usamos aqui o termo demonstrável não no sentido de demonstração
científica, ou seja, de provar com uma experiência, ou com uma dedução
matemática, mas no sentido de que se formula um discurso onde ficam claros
argumentos e as inferências sejam permitidas pela ciência lógica, mostrando
honestamente os axiomas (as verdades não inferidas, mas sem um fundamento). A imperfeição ou problema da filosofia é
que ela não pode provar esses axiomas, pois sua fonte é puramente especulativa,
hipotética.
A filosofia, contudo, não pode especular
livremente sobre qualquer coisa abstrata, tirando as conclusões que a vontade
indicar. A filosofia precisa obedecer, para ser filosofia, dois princípios da
teoria dos sistemas: a consistência
e a completude.
Ser consistente
significa ser coerente: obedecer ao
princípio da não-contradição, ou seja, não pode haver dentro de um sistema
filosófico duas afirmações, sendo que uma afirma algo e outra que seja
exatamente oposta. Além disso, nenhuma de suas afirmações devem levar a outras
afirmações contraditórias por meio de inferências. A filosofia, deve primar
para que não seja ferido o princípio mais elementar da lógica. Bem sei que
muitos filósofos, como por exemplo, os hegelianos, tendem a fazer afirmações
logicamente contraditórias dado o movimento dialético imbuído no sistema.
Entretanto, trata-se de uma filosofia que tenta traduzir em linguagem o
movimento do mundo criando um discurso vivo. Deve-se notar, porém, que mesmo os
hegelianos não ferem o princípio aristotélico de todo, dado que ele diz “algo
não pode ser e não ser, sob o mesmo aspecto, no mesmo lugar e ao mesmo tempo”.
As variações e as contradições do discurso apenas mostram diversos aspectos ou
facetas dessas categorias combinadas, respeitando assim o rigoroso princípio
característico da filosofia.
Ser consistente,
por outro lado, significa que dados determinados axiomas ou princípios, a
conclusão é derivada logicamente, por meio de inferências sem o auxílio de
novos princípios ou axiomas. Por exemplo, a física de Newton sobre o movimento
uniforme está baseada sobre três afirmações apenas: “Todo corpo em repouso
tente a permanecer em repouso e todo corpo em movimento tende a permanecer em
movimento retilíneo uniforme”, “o resultado da forças que agem sobre um corpo é
o produto da massa sobre a aceleração adquirida” e “se um corpo A imprime uma
força sobre B, B exerce sobre A uma força de mesma intensidade e direção, mas
em direção contrária”. Precisamos entender que toda a teoria sobre o movimento
é derivada dessas três afirmações, não precisando recorrer a mais nenhuma. Isso
acontece com inúmeras teorias como os cinco postulados da geometria de Euclides
e outros. Algumas críticas podem ser levantadas a esse meu argumento como o
teorema de Gödel, ao qual, grosso modo, afirma que todos os sistemas se são
coerentes, então não podem ser completos; e se completos são incoerentes. De
fato, uma teoria não pode ser completa e consistente em absoluto. A filosofia
não tenta provar seus postulados, ela simplesmente os coloca no discurso.
Entretanto, o bom filósofo deixa claro quais são eles. Essa tese, portanto,
apenas reforça o meu ponto de vista, dado que a filosofia não tenta ser
completa em absoluto, ou seja, ela é humilde suficiente para colocar postulados
que não pode provar. Isso faz parte da filosofia, é-lhe uma característica
essencial e prática para chegar a conclusões.
Portanto, a partir do que foi dito,
posso formular um conceito para iniciar o debate sobre o conceito de filosofia:
ramo do conhecimento subsidiários à
ciência que usa a razão para resolver problemas especulativos respeitando a
consistência e a completude nos seus juízos. Com isso quero dizer que a
filosofia é um ramo do conhecimento sério, sistemático, capaz de levar a juízos
possíveis e ponderáveis sobre coisas e valores.
Mais do que isso, posso dizer que a
filosofia é extremamente necessária, pois trata de assuntos que não são
possíveis de serem matematizados, calculados, medidos, pesados fisicamente.
Precisamos da filosofia para saber decidir adequadamente sobre inúmeras questões
no nosso cotidiano, como por exemplo, se devo ou não obedecer meus pais em tudo
o que pedirem, se devo ou não mentir sobre uma traição do namorado da minha
amiga, sobre se devo ou não votar em determinado candidato e por que motivo.
Encontrar critérios para decidir sobre esses e outros problemas com
racionalidade e levando em conta as consequências requer uma habilidade
filosófica indispensável a qualquer ser humano moderno, do mais cético
cientista ao mais fiel crente; do homem mais simples ao mais erudito.
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