Por: Edinei Marcos Grison
A
história do desenvolvimento econômico na América Latina é denominada por Cardoso&
Faletto (1979) como um processo social. No entanto, segundo Amartya Sen (2000),
o grande número de possibilidades não é capaz de liquidar com situações onde a
expectativa/qualidade de vida, a renda, os direitos políticos e sociaisdeixem
de ser uma realidade inexistente e complexa. A passagem do subdesenvolvimento
para o desenvolvimento ainda continua sendo um transcurso excludente e
disforme.
Segundo
Barbosa (2012) a justiça fiscal, ou seja, a transparência do sistema financeiro
poderia reduzir as desigualdades sociais e econômicas. No entanto, a questão da
pobreza e do subdesenvolvimento é muito mais grave que se possa considerar,
pois os pobres são pobres além das fronteiras nacionais.A lógica de
transparência financeira é bem simples: controle do sistema financeiro para
boicotedas práticas ilícitas e da alimentação dos paraísos fiscais que não
possuem controle das movimentações financeiras.A distancia social e econômica
pode ser medida, verificando-se o Índice de Gini que, mede a concentração de
riqueza e a pobreza como indicadores da desigualdade.
A
complementação de renda parece ser uma medida cabível, mas não é revolucionária
no que tange a superação das desigualdades. Muitas das políticas públicas são
paliativas e aceleram a desigualdade, não levando em conta a origem do movimento
que proporciona as relações desiguais.
Para
Celso Furtado (2000) uma análise madura do sistema de desenvolvimento e suas
tipologias devem estar além de tipos ideias, ou seja, propostas de análise
racionais, abstratas, redundantes por muitas vezes, distantes das realidades
concretas. Pela ótica da acumulação de excedente, percebe-se um amplo caminho
real de análises possíveis, mais concretas do que as abordagensfaseológicas.
No
entanto, além das controvérsias criadas por inúmeras teorias que tentam por
hora, explicar, analisar e proporcionar uma saída para a lógica da exclusão dos
centros periféricos pelos grandes centros hegemônicos, é inevitável, a
determinância do fator econômico sobre o político.
E
por fim, Florestan Fernandes (1979) alude à tese que as sociedades por mais que
pareçam ser estáticas em seus estados, elas estão em mudança e transformação.
No entanto, lógicas extremistas em suas abordagens podem revelar ignorância e
cegueira com relação à realidade de fato.
2. AMARTYA
SEN E O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE
Na obra, o desenvolvimento como
liberdade, Amartya Sen(2000) apresenta que é possível o desenvolvimento, a
partir de mudanças notáveis na esfera social, econômica e humana, a partir de
um regime democrático participativo, sendo o âmago da organização política, a
potencialização da liberdade individual. Deste modo, o desenvolvimento
significaria a superação da privação, destruição e a opressão dos países ricos
pelos pobres.
A expansão da liberdade
individual e social configuraria a base do desenvolvimento pela eliminação das
privações. A abordagem econômica a partir deste viés, apoia uma análise
integrada das economias, através de um modelo interativo. A potencialização das
liberdades individuais seria capaz de se tornar o aspecto ativo da mudança
social e da melhoria da qualidade de vida, pois, a ausência de liberdades
políticas e civis configura o contraponto impossível da melhoria das condições
de vida de uma sociedade.
O dinheiro não pode
tudo, ou seja, não é capaz de transformar uma realidade privada, oprimida e
submissa sem desenvolvimento, sem liberdades sociais, políticas e econômicas. A
liberdade política é constitutiva do processo de mudança para o
desenvolvimento, pois oportuniza, contribui para o progresso econômico.
A qualidade de vida é
observada segundo Sen (2000) como sendo a partir de contrastes intergrupais, ou
seja, a partir das concepções de desenvolvimento e subdesenvolvimento. O
mercado é uma parte do processo de desenvolvimento pelo crescimento econômico
que é global. A liberdade de entrada em mercados distintos de trabalho
potencializa a proposta de desenvolvimento, por ter o aporte de uma lógica
inclusiva, ampla, papel básico da vida social.
O esquema que segue
pode esclarecer a perspectiva da liberdade pensada por Sen (2000), atrelando ao
desenvolvimento à qualidade de vida e a renda.
RENDAS
|
REALIZAÇÕES
|
|
RELAÇÕES
|
MERCADORIAS
|
CAPACIDADES
|
RIQUEZA
ECONÔMICA
|
ESPECTATIVA
DE VIDA
|
Fonte: GRISON, Edinei
Marcos, 2013.
A
partir destas reflexões e conexões necessárias, Sen (2000) constrói uma tese
comum para se ter uma concepção adequada a respeito do desenvolvimento, ou
seja, deve-se estar além da acumulação de riquezas, pois o crescimento deve
refletir além do Produto Nacional Bruto (PNB) e com relação à renda, relacionar
inúmeras variáveis. Refuta a tese comum de desejar a riqueza que tem no seu
núcleo a ideia individualista de realização e melhoria da qualidade de vida
pela capacidade de opções, compras e consumos.
O
crescimento econômico só é possível em proveito das liberdades individuais, da
melhoria das condições de vida, aludindo a seres sociais mais completos. As
privações refletem necessariamente na renda e nas capacidades dos sujeitos em
privação.
3. O
BRASIL REAL: O DESENVOLVIMENTO DISTANTE DA REALIDADE
Segundo
Sen (2000) a expansão das oportunidades caracterizaria uma importante tese para
a avaliação das relações de trabalho, identificada como o pivô das relações
desiguais. O gráfico 01 demonstra a queda do desemprego no Brasil na última
década, possibilitou ao trabalhador elevação das chances de consumo e
empoderamento.
Fonte: Ipeadata,
2013.
A
progressiva queda das taxas de desemprego nos últimos anos promoveu a saída de
muitos trabalhadores da informalidade para a formalidade da venda da mão de
obra em troca de salários. No entanto, não se garante a total eliminação da
informalidade trabalhista, do desemprego, da miséria e da pobreza. Segundo
Barbosa (2012), o Brasil passou por dois estágios de evolução, a saber, o
primeiro de 1500 a 1882 até o período da industrialização de 1930 a1980. Em
segundo, os altos momentos de inflação da década de 1980 e as reformas
neoliberais de 1990, finalizando com o que o gráfico retrata enquanto mudança nos
anos 2000 com FHC e Lula.
Um
dos tópicos negativos observados pelas políticas públicas do governo Lula são
as políticas com fins de complementação de renda, tais como, o Programa Bolsa
Família que não possibilita diminuição das taxas de pessoas abaixo da pobreza e
muitas vezes nem a do desemprego. Tais medidas paliativas visam incentivar o
pobre a continuar pobre pela dupla face que o programa pode apresentar,
fornecendo assistência vitalícia.
Assim
os dados do gráfico 02, apresentam o crescimento progressivo da renda dos
brasileiros do final da década de 90 até a primeira década dos anos 2000.
Gráfico 02 – Salário Mínimo Real – 1998 – 2012.
Fonte:
Ipeadata, 2013.
A progressiva elevação do salário mínimo dos
brasileiros, associado aos programas federais de complementação de renda, tais
como, o programa Bolsa Família demonstra que com toda inflação vivida nos anos
90,não diminuiu o número de miseráveis e endividados, pois o montante continuou
maior do que no final da primeira década dos anos 2000.
Uma evidência é perceptível: complementação
da renda não aniquila a desigualdade, mas sim, promove a manutenção da condição
de pobreza acima da miséria. Tais medidas paliativas não refletem transformação
na origem da desigualdade que pode ter como possível vértice o acúmulo de
excedente.
4. UMA
BREVE ANÁLISE DAS MUDANÇAS SOCIAIS A PARTIR DE FLORESTAN FERNANDES E CELSO
FURTADO
As mudanças sociais podem ser estudadas
de várias maneiras e pontos de vista segundo Fernandes (1979). No entanto, podem
refletir modelos abstratos, heurísticos, construções sociológicas e
interpretações de combinações estáticas ou dinâmicas. Atrelado às combinações
têm-se o desenvolvimento com sua lógica endógena e exógena, dependente e
independente.
Qualquer análise sociológica que se
insira na proposta burguesa/capitalista deve considerar o empoderamento do
excedente com fins de expropriação para o exterior e não para o desenvolvimento
interno. Assim aconteceu com o Brasil. Para Fernandes (1979) “Os mesmos
estratos socais que monopolizaram os benefícios da mudança social tendem a
submetê-la a controles mais ou menos seletivos e coercitivos. Isso ocorreu no
Brasil e continua a ocorrer no presente (nem poderia ser de outra maneira)”.
As formas históricas do
desenvolvimento possuem ligação com as formas também históricas do acúmulo de
excedente econômico e de estratégias de dominação social. Ou seja, a acumulação
de capital ocorre pela divisão do trabalho que produz o excedente. Se a
produção fosse baseada na absorção total de seus produtos industrializados,
existiria uma melhoria momentânea das condições de vida e respectivamente
também da qualidade.
Grupos minoritários são os
responsáveis pela apropriação do excedente, considerados a base do
desenvolvimento. O excedente nas sociedades primitivas revelava fatores
exógenos e eventuais, não perpetuando a lógica da expropriação e da
desigualdade social.
Conforme Furtado (2000) a
apropriação/acumulação do excedente econômico faz parte do processo de
desenvolvimento na perspectiva capitalista, tendo como base, a entrega
compulsória do excedente produzido pelo trabalhador ao empregador. Assim a
utilização do excedente parece ser um mecanismo para a melhoria das condições
de vida, mas necessariamente é empregado para a elevação das chances de consumo
e endividamento.
Com
objetivo de afunilaras ideias paraos finais deste ensaio, podemos concluir que,
existe um pano de fundo amplo, poderoso e excludente: o desenvolvimento
econômico está em poder de grupos minoritários que comandam o excedente
acumulado no globo, dinamizando ou estatizando as condições de vida, renda,
qualidade e o complexo movimento de usufruto dos direitos sociais e políticos.
Conforme
Sen (2000) a partir da ampliação das liberdades consequente à eliminação das
privações poderá ser possível o desenvolvimento. As liberdades individuais são
os germes ativos da mudança social. A lógica de mudança social a partir da
perspectiva da eliminação das privações, potencializa a responsabilidade social
de cada indivíduo, pela melhoria das condições de vida, renda e pelo acesso
direto aos direitos políticos e sociais vistos como uma ordem extremamente
complexa.
Barbosa (2012) apega-se a uma
análise empírica com dados concretos, revelando a oposição entre crescimento,
renda e desigualdade. O crescimento ocorre, mas é focado no (Produto Interno
Bruto), tese rejeitada por Sen (2000) por considerar que o mercado é parte do
processo do desenvolvimento e não principal fator.
No
entanto, muitas são as ressalvas que podem ser destacadas com relação às
políticas públicas que quando muito oferecem complementação da renda e
permanência nos números que desenham a desigualdade no país. Um pequeno impulso
da miséria para a pobreza é oferecido pelas políticas públicas de
complementação de renda que são paliativas e incapazes de alterar o status quo originário da desigualdade.
Em
suma, a valorização dos múltiplos aspectos que formam as necessidadesde nações
carentes de desenvolvimento deve partir de alguns eixos, a saber: 1.
Despolarização das abordagens a partir do PIB como forma de potencializar o
crescimento econômico, potencializando a eliminação das privações como pensa Sen
(2000); 2. Constante crítica e reavaliação das políticas públicas que
apresentam “mascaras de bruxa” com relação à desigualdade e o crescimento
econômico; 3. O aumento de créditos e consumo não representa superação da
desigualdade, crescimento econômico e aniquilação da pobreza pelo
desenvolvimento.
6. REFERÊNCIAS
BARBOSA, Alexandre de
Freitas (org.) Brasil Real: a desigualdade
para além dos indicadores. 1ª ed. São Paulo: Outras Expressões, 2012.
CARDOSO, Fernando
Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência
e Desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979,
pp. 16 – 59;
FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil: aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira. 3ª ed. São Paulo: DIFEL, 1979.
FURTADO, Celso. Teoria Política e Desenvolvimento
Econômico. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, pp. 147 – 186.
SEABRA, Raphael Lana;
BUENO, Fábio Marvulle. O Pensamento de
Ruy Mauro Marini e a Atualidade do Conceito de Superexploração do Trabalho. Londrina: UEL anais do IV Simpósio Lutas
Sociais na América Latina, 2010, pp. 70 – 79;
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo Companhia das Letras,
2000.
SERRA, José; CARDOSO,
Fernando Henrique. As Desventuras da
Dialética da Dependência. São Paulo: CEBRAP, 1978, pp. 34 – 80.
*Notas:
[1] Cf. BARBOSA,
Alexandre de Freitas (org.) Brasil Real:
a desigualdade para além dos indicadores. 1ª ed. São Paulo: Outras
Expressões, 2012.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo Companhia das Letras,
2000.
FERNANDES,
Florestan. Mudanças sociais no Brasil: aspectos do
desenvolvimento da sociedade brasileira. 3ª ed. São Paulo: DIFEL, 1979.
FURTADO, Celso. Teoria Política e Desenvolvimento Econômico.
10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, pp. 147 – 186.
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