Por: Jonas J. Berra
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Fonte: Correio do Povo. Ato de protesto divide os manifestantes em Porto Alegre. |
Em meio a uma série de denúncias de corrupção na Petrobrás[1] durante
a atual gestão do partido dos trabalhadores (PT), um movimento emerge
reivindicando para si o título de movimento democrático e apartidário. Ao mesmo
tempo, saem do armário os adeptos da ideologia militarista[2],
aproveitando-se do movimento para pedir a volta da ditadura; a revista Veja
intensifica radicalmente a propaganda contrária ao governo; e o Jornal da Globo
começa seus trabalhos da madrugada com frases de efeito como “mais um político
do PT envolvido no escândalo da Petrobrás”. E a vida segue tal como nos dias
anteriores, como a rotina de milhares de brasileiros que assistem novelas. O
objetivo final do telespectador parece ser mesmo o entretenimento, enquanto o
civismo só parece ser válido enquanto demonstrações públicas e midiáticas
contra o “governo demoníaco”,
que tal como o demônio representa o mal absoluto a
ser eliminado. Assim, observa-se a histeria coletiva, porque sua consequência é
um tipo de ação que parte das entranhas, enquanto a reflexão torna-se um
entrave a ser deixada de lado. A frase de efeito FORA PT, socialismo, esquerda
e Dilma, torna-se a senha da vez, juntando a massa para a eliminação de um
inimigo em comum. A guerra, mesmo que por enquanto seja ideológica, passa a ser
legitimada, desde que o inimigo seja eliminado. A partir daí, milhares de
brasileiros que foram às ruas fecharam os olhos aos que pediam a volta da
ditadura, fecharam os olhos aos xingamentos, que igualmente fazem parte do dia
a dia de jogos de futebol e revelam a falta de pensamento reflexivo dos
indivíduos que seguem a massa.
Dado o contexto complexo, o sujeito que tem interesse em compreendê-lo, precisa minimamente parar de pensar com as tripas, para utilizar seu cérebro. Um passo importante é procurar olhar para o todo, o que é possível com análise de conjuntura. Segundo Herbert José de Souza (SOUZA, 2009, p. 8) fazemos análise de conjuntura o tempo todo ao avaliarmos situações e tomarmos decisões. Porém, a análise de conjuntura que melhor pode responder ao problema de sabermos o que acontece na política é aquela que reduz os componentes subjetivos da análise. Em outras palavras, que não se embasa em opiniões, mas em fatos. Valoriza-se os aspetos objetivos, dando mais importância, por exemplo, às questões reais envolvidas no jogo político e a capacidade do político em levar o país à frente no tempo, enquanto sua aparência física - se a presidente é gorda ou magra - não entra em questão. Ao invés de degrenir a imagem do outro, o analista busca “perceber, compreender, descobrir sentidos, relações, tendências a partir dos dados e das informações” (SOUZA, 2009, p. 8).
A análise pode
partir de dois pontos de vista diferentes: a partir do poder dominante e a
partir de sua oposição. Partir de um ou de outro leva o analista a selecionar
acontecimentos, cenários e articulações, que podem interferir drasticamente no
resultado final da análise. Vendo por esse lado, é evidente que se um grupo faz
oposição a outro, ele tentará derrotá-lo com todas as cartas que tem e tomar o
poder. Transferindo essa ideia a tal alegação de que o movimento "vem pra rua” é apartidário,
percebe-se que isso não deixa de favorecer a oposição, que acaba ganhando a
aderência da massa insatisfeita (por que só agora tem corrupção na política?). Falar
de apartidarismo impede também a crítica de que a massa vai às ruas porque não aceitou
a “derrota” (como quando no futebol acusam o juiz de roubar para o time adversário) nas últimas eleições. É exatamente o que a oposição quer: desestabilizar
o governo, facilitando uma vitória nas próximas eleições. É como se ainda
estivéssemos em campanha eleitoral.
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Acima uma imagem do dia 12 de abril.
Abaixo uma das manifestações de motoboys por
melhores condições de trabalho.
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Durante muito tempo da história recente do Brasil, os movimentos sociais estiveram
restritos aos setores excluídos da sociedade (o que não é o caso dos adeptos do
“vem pra rua”). Maria da Glória Gohan (2010, p. 13) aponta para três grandes
blocos:
1) movimentos de luta por direitos sociais, políticos, econômicos e
culturais. Eram as mulheres, os negros,
os índios e os homossexuais que iam pra rua.
2) movimentos de luta por melhores condições de trabalho, acesso à terra,
moradia, alimentação, saúde, transporte de qualidade, lazer e salário justo. Assim,
mobilizavam-se os sem-terra, sem teto, os estudantes, os trabalhadores em geral
unidos pelos sindicatos.
3) Movimentos globalizantes, que buscam construir redes sociopolíticas e
culturais. Exemplos são o Foro de São Paulo[3] e o
Fórum Social Mundial.
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Fonte: Folha de São Paulo |
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Lula e Dilma são tidos como bandidos.
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Sabe-se que o Estado deve garantir os direitos de todos, inclusive das minorias. Em um país declaradamente democrático, não há muito o que dizer sobre o direito das pessoas protestarem. As pessoas percebem que existe um problema e fazem um diagnóstico: “é corrupção”. A partir daí procuram manifestar que sabem que existe um problema por meio de buzinaços, panelaços e vaias, ainda que a ignorância de muitos os levem a se expressarem na base dos xingamentos[4].
No caso das pessoas que pedem o impeachment, é como se estivessem
tentando mudar o resultado das eleições através de um tapetão[5]. Apesar
de mencionarem o fato de ser um movimento democrático, reivindicam uma
alteração no resultado da última eleição[6] e,
portanto, pedem algo que vai contra as regras da democracia. Se os
manifestantes conseguissem o impeachment[7], quem
assumiria seria Michel Temer, ou seja, um líder do PMDB - “Mesmo partido de
Renan Calheiros e Eduardo Cunha, que dispensam apresentações” (CASTRO, 2015). Em
nada mudaria o quadro de corrupção.
Apesar de tudo, parece que o movimento tem sim sua importância, pois em mais de 20 anos desde o impeachment de Collor, enquanto negros, índios, sem-terras, professores, operários e homossexuais foram para as ruas protestar e lutar ao menos por direitos básicos como saúde, segurança e salários dignos é que os cidadãos da classe média e economicamente “folgada” não vão para as ruas. Foi bom sim, para que eles próprios sintam na pele como negros, índios, sem-terras, professores, operários e homossexuais sofrem para conseguir alguma coisa neste país onde a única coisa verdadeiramente apartidária é a corrupção. A diferença entre os movimentos do passado e os de hoje? Para aqueles dificilmente tinha cerveja e mulheres nuas.
Apesar de tudo, parece que o movimento tem sim sua importância, pois em mais de 20 anos desde o impeachment de Collor, enquanto negros, índios, sem-terras, professores, operários e homossexuais foram para as ruas protestar e lutar ao menos por direitos básicos como saúde, segurança e salários dignos é que os cidadãos da classe média e economicamente “folgada” não vão para as ruas. Foi bom sim, para que eles próprios sintam na pele como negros, índios, sem-terras, professores, operários e homossexuais sofrem para conseguir alguma coisa neste país onde a única coisa verdadeiramente apartidária é a corrupção. A diferença entre os movimentos do passado e os de hoje? Para aqueles dificilmente tinha cerveja e mulheres nuas.
REFERÊNCIAS
FILHO, Ciro Marcondes. Quem manipula quem? Poder e massas na indústria
da cultura e da comunicação no Brasil. 3. Ed. Petrópolis, RJ. 1989.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e redes de mobilizações civis
no Brasil contemporâneo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
SOUZA, Herbert José de. Como se faz análise de conjuntura. 31 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
NOTAS
[1] Sobre isso consultar:
RBS: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/03/petrobras-esta-envolvida-no-maior-escandalo-de-corrupcao-do-mundo-diz-cunha-4714602.html
Estadão: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,petrobras-de-escandalo-e-escandalo-imp-,1155520
R7: http://noticias.r7.com/brasil/saiba-mais-veja-lista-de-47-politicos-investigados-em-escandalo-da-petrobras-06032015-3
[2] O mais triste é que a base desses ideólogos do militarismo é nada mais nada menos que o senhor Olavo de Carvalho, que é declaradamente antissocialista. Para saber quem é esse pseudointelectual leia: https://bertonesousa.wordpress.com/2012/10/28/olavo-de-carvalho-um-filosofo-para-racistas-e-idiotas/
[3] O Foro de São Paulo é muito mal compreendido. Antes de criticar, é importante entender: http://www.cartacapital.com.br/politica/voce-sabe-o-que-e-o-foro-de-sao-paulo-7773.html
[4] São esses os que xingam a presidente da república por conta de uma suposta posição ditatorial, mas que não são em nenhum momento perseguidos ou presos por seus posicionamentos ofensivos e radicais. Pelo contrário, ao invés de agir de maneira autoritária, ela buscou a conciliação. Lula, por sua vez, chegou a reconhecer o direito das pessoas protestarem (veja aqui: http://robertoalmeidacsc.blogspot.com.br/2015/04/lula-reconhece-direito-da-oposicao-de.html)
No dia 12 de abril mais atos de xingamentos foram proferidos contra quem não seguiu a massa irracional: http://noticias.r7.com/brasil/mulher-defende-dilma-em-protesto-no-rj-e-e-chamada-de-prostituta-12042015
[5] Tem o sentido de puxar o tapete. Deixar a pessoa sem chão ou derrubá-la a fim de tomar seu lugar.
[6] Aécio Neves não pode assumir o cargo de forma alguma. Em um processo de impeachment, o vice presidente é quem assumiria o cargo.
[7] Segundo pesquisa do Datafolha , http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/04/63-apoiam-abertura-de-processo-de-impeachment-aponta-datafolha.html, 63% dos entrevistados apoiam a abertura do processo de impeachment. Veja a seguir alguns dos resultados da pesquisa:
Considerando tudo o que se sabe até o momento a respeito da Operação Lava Jato, o Congresso deveria abrir um processo de impeachment para afastar a presidente Dilma da Presidência?
- Sim: 63%
- Não: 33%
- Não sabe: 4%
Caso isso ocorra, assume seu lugar:
- O vice (sem citar o nome): 29%
- Michel Temer: 13%
- Aécio Neves: 12%
- Outros: 8%
- Não sabe: 39%
Caso isso ocorra, assume seu lugar (entre quem apoia o impeachment):
- O vice (sem citar o nome): 27%
- Michel Temer: 10%
- Aécio Neves: 15%
- Outros: 8%
- Não sabe: 40%
Percebe-se, assim, a falta de conhecimento dessa população, que se manifesta, protesta e critica o governo, mas que desconhece aspectos básicos da atividade política e partidária.
- O vice (sem citar o nome): 29%
- Michel Temer: 13%
- Aécio Neves: 12%
- Outros: 8%
- Não sabe: 39%
Caso isso ocorra, assume seu lugar (entre quem apoia o impeachment):
- O vice (sem citar o nome): 27%
- Michel Temer: 10%
- Aécio Neves: 15%
- Outros: 8%
- Não sabe: 40%
Percebe-se, assim, a falta de conhecimento dessa população, que se manifesta, protesta e critica o governo, mas que desconhece aspectos básicos da atividade política e partidária.
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