Por Wagner Rafael
Rodrigues¹
Nos dias atuais é nítida a
sensação de extrema rapidez que circunda o cotidiano. O fenômeno da
globalização favoreceu que o conhecimento se tornasse amplo graças aos avanços
tecnológicos. No entanto, o ser humano transita na dicotomia entre o virtual e
o real, perdendo a noção de espaço e tempo. Ora, cada vez mais as relações
sociais são tidas como funções a serem cumpridas, assim como as máquinas. De
fato, Wilhelm Schulz (1797-1860) no século XIX advertia: “Não se levou em conta
ainda esta grande diferença: até que ponto os homens trabalham com máquinas,
ou até que ponto eles trabalham como máquinas” (SCHULZ,
1843, s.d, p.69 apud MARX, 2010, p.32).
Outro fator é a influência que a tecnologia exerceu na vivência humana, por
exemplo: na linguagem, na distribuição do conhecimento, na política, na saúde,
na alimentação, economia e até mesmo nos espaços sagrados que em seus ritos adotaram
instrumentos tecnológicos para auxiliarem em seus cultos.
O que há de errado em tudo isso? Qual o problema de uma sociedade tecnológica? O que se deixou para trás após o início da era tecnológica? Tais perguntas retratam o pano de fundo deste breve esboço sobre um dos principais problemas que afetam a vida humana, o Imediatismo².Tal concepção gera relações humanas superficiais e descartáveis, o que Zygmunt Bauman (19225) chama de Modernidade Líquida ³.
O que há de errado em tudo isso? Qual o problema de uma sociedade tecnológica? O que se deixou para trás após o início da era tecnológica? Tais perguntas retratam o pano de fundo deste breve esboço sobre um dos principais problemas que afetam a vida humana, o Imediatismo².Tal concepção gera relações humanas superficiais e descartáveis, o que Zygmunt Bauman (19225) chama de Modernidade Líquida ³.
Nesse sentido, por detrás da ideia de imediato se sobrepõe o conceito
de Efemeridade, que por sua vez é marca registrada da natureza
humana. Conforme, o Dicionário Aurélio efêmero: “1.Que dura um só dia. 2.De
pouca duração; passageiro, transitório” (BUARQUE, 1986, p. 620). Ora, seria o
ser humano eterno e imutável? Dessa maneira, pode-se afirmar que a única
certeza da vida é o fim, ou seja,a morte4 . Assim, algumas
questões se impõem sobre o modo de existir atual: Por que ter pressa para
chegar ao fundo do pote? Em outras palavras, se a única certeza é a morte
porque viver dias curtos e corriqueiros?
Nessa
perspectiva, no filme “Sherlock Holmes” (2009), o famoso detetive indaga ao seu
amigo Watson: quantos degraus há na escada da rua até a porta? Após ele ter
subido por ela. O amigo não sabe responder alegando que não contou os degraus.
Essa cena representa a automatização da vida humana, despercebendo-se assim, os
detalhes que compõem o existir perdendo-se a capacidade de contemplação e
reflexão.
Nessa perspectiva, se faz pertinente à obra de um dos maiores poetas do século
passado, o português Fernando Pessoa (1890-1931). A poesia pessoana se
caracterizou pela criação de personalidades poéticas, a qual se denomina poesia
heteronímica. Na obra do poeta contam-se muitos heterônimos, no entanto merecem
destaque: O pastor de rebanhos Alberto Caeiro, o pagão neoclássico Ricardo
Reis, o moderno industrial Álvaro de Campos e Fernando Pessoa ortônimo (ele
mesmo). Esta é constelação da poesia heteronímica de Pessoa, que na sua
dinâmica possui muitos paradoxos e tensões. De um lado temos Fernando Pessoa
ortônimo que tem como característica o pensar, enquanto Caeiro não pensa. De
outro lado temos Ricardo Reis que não quer sentir nada, enquanto Álvaro de
Campos quer sentir tudo de todas as maneiras.
Destarte é interessante para a questão da efemeridade a poesia do neoclássico
pagão Ricardo Reis, que soube aproveitar o máximo de tempo que a vida lhe
proporcionou, todavia, o pouco que aproveitou em nada sanou sua maior dor, a
passagem do tempo. Em suas odes, Reis busca paliativos para encontrar um
sentido para o viver. Portanto, angústia de Reis era tamanha, pois para ele a
proposta cristã de ressurreição e vida eterna não faz o menor sentido. O andar
do relógio trazia consigo o destino de todos os homens, e Reis sem nenhuma
esperança sente o maior dos calafrios, o esquecimento e o vazio.
No bojo da
poesia ricardiana três símbolos clássicos perpassam toda a sua obra, A
Flor, A Água e O Vinho. Assim, o quê cada símbolo representa na
poética de Reis? Descrever-se-á o modo como o poeta os concebe.
O
símbolo da flor caracteriza-se como uma tentativa de embelezamento do instante,
como na ode:
Mestre, são
plácidas
Todas as
horas
Que nós
perdemos,
Se no
perdê-las,
Qual numa
jarra,
Nós pomos
flores.
(REIS,
1983,p.73)
Assim, como
uma dona de casa que coloca flores numa jarra para enfeitar a casa Reis colhe
as flores, pois elas proporcionam, nem que seja por um instante, alegria a vida
de Reis, e desse modo ele sente vontade de viver. Porém, a flor lembra a
finitude e toda esta sensação alegre desaparece, e novamente o poeta é tomado
pela angústia da passagem do tempo.
O símbolo da
água se constitui pela dinâmica do rio enquanto passagem do tempo, Reis vai com
o rio:
Vem
Sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente
fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida
passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(REIS,
1983,p.80)
Em outras
palavras, passar com o rio é diferente de passar como o rio, ou seja, Reis
mergulha no rio e ao invés de boiar se deixar levar pela correnteza, ele se
desespera e luta contra o rio, como um afogado. Noutras palavras, Reis
angustia-se com o passar do tempo, pois ao término de cada segundo a vida se
esvazia e mais próxima está à morte.
Na dinâmica
do lago é a água que a morte seca, por isso o lago é estático, parado, inerte.
Reis vê no lago a impossibilidade de lutar contra tempo sentado a beira-lago
espera a morte chegar não se importando com a vida, como na ode:
E a beleza,
incriável por meu sestro,
Eu goze
externa e dada, repetida
Em meus
passivos olhos,
Lagos que a
morte seca.
(REIS, 1983,
p.119)
Por fim, o vinho é para Reis uma
tentativa frustrada de aliviar e esquecer sua dor, causada pela consciência da
morte. Tal imagem é nítida nesta ode:
Bocas Roxas
de vinho,
Testas
brancas sob rosas,
Nus, brancos
antebraços
Deixados
sobre a mesa.
(REIS, 1983,
p.103)
Reis não
bebe o vinho para se alegrar, e muito menos constitui um ritual ou algo
semelhante. Ora, beber e continuar sóbrio, eis o drama de Reis, que angustiado
pela passagem do tempo não consegue se deleitar com o prazer que o vinho lhe
proporciona.
Sendo assim,
o conceito de efemeridade, representada nos símbolos da poesia de Pessoa-Reis,
se constitui como uma pedra no sapato. Em outras palavras, o indivíduo que
busca tudo no fundo não encontra nada, pois tudo que existe é efêmero,
inclusive o próprio indivíduo. Será que o modo de existir atual ao eleger o
lucro, o poder, o prazer e o ter, como valores essenciais encontrará sentido
para a realização plena da existência? Se a certeza da vida é a morte qual será
o legado que se deixará para aqueles que ainda não são? Cabe a cada um se
questionar e ter a coragem de refletir sobre tais temas, buscando um sentido
“para vida”, mesmo que todos os sentidos possíveis sejam efêmeros.
NOTAS
1 - Licenciado
em Filosofia pela FAE Centro Universitário (2014).
2 - Imediatismo é tudo aquilo que se faz na busca do
"agora", sem pensar nas consequências. Não há paciência e nem
discernimento para o ser que vive o imediatismo. Essa busca desenfreada pode
resultar em processos de estresse, assuntos mal resolvidos e pessoas infelizes.
Disponível: http://www.dicionarioinformal.com.br/imediatismo/ Acesso: 07/01/2015.
3 - Zygmunt
Bauman é um sociólogo polonês nascido em 1925, que iniciou carreira na
Universidade de Varsóvia. Publicou mais de quarenta livros, entre os quais
Modernidade Líquida, a obra foi publicada próximo ao ano 2000, na propalada
virada do século, sendo efetivamente lançado em 2001. A liquidez, a qual Bauman propõe vem
do fato que os líquidos não têm uma forma, ou seja, são fluídos que se moldam
conforme o recipiente nos quais estão contidos, diferentemente dos sólidos que
são rígidos e precisam sofrer uma tensão de forças. Disponível:http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=99&revista_caderno=23
Acesso: 07/01/2015.
4
- No início do século XX
era notável a corrente filosófica denominada Fenomenologia, a qual foi fundada
por Edmund Husserl. Todavia, seu maior expoente foi filósofo alemão Martin
Heidegger, que se debruçou sobre a questão do SER (Dasein). Nesse
sentido, nessa ideia da poesia pessoana-ricardiana de que o fim da existência é
a morte talvez o conceito SER-
PARA- MORTE hedeiggeriano
plastifique essa ideia, pois: “o Dasein como ser limitado por circunstâncias
que compreendem o seu mundo compartilhado é levado a pensar sobre a dimensão
futura de sua existência e a lançar-se para seu encontro. É chamado a
projetar-se mediante tal desafio, vendo-se sempre limitado no tempo como ser
mortal, frágil sujeito a incompletude, marcado pela angústia”.
Disponível:http://catolicaonline.com.br/revistadacatolica2/artigosn4v2/06filosofia.pdf Acesso:26/01/2015.
REFERÊNCIAS
BUARQUE, A. de H. F. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
PESSOA, Fernando. Ficções do interlúdio: odes de Ricardo Reis; Para além do outro oceano de Coelho Pacheco. 4. ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1983.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. [ 4. reimpr.]. São Paulo. Boitempo, 2010.
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