Por: Oséias Marques Padilha
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Diante do mar de sangue que estamos
presenciando devido à guerra entre Israel e as facções palestinas, somos
levados a fazer a seguinte pergunta: seria este século, o século do
conhecimento ou da barbárie e da ignorância? Realmente, não estamos livres da
Filosofia.
“As aparências enganam”, trata-se de um ditado popular, no qual encontramos implícito um antigo
problema abordado pela filosofia que, no entanto, permanece latente na
sociedade atual: o do contraste presente entre a realidade e a aparência.
Foi Platão (427 a.C. - 347 a.C.) quem
ilustrou, de forma magistral, através do conhecido mito da caverna, como
podemos construir um falso juízo em relação a um determinado fenômeno quando
fazemos de nossos sentidos os mediadores do conhecimento. O mito é explanado no
Livro VII da República, uma das obras mais importantes deste pensador, através
de um diálogo entre Sócrates e Glauco:
Suponhamos uns homens numa habitação
subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz que se
estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância,
algemados de pernas e pescoço, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no
mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça por causa dos
grilhões; serve – lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe numa
iminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há uma caminho
ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes
que os homens dos “robertos” colocam diante do público para mostrarem as suas
habilidades por cima deles.(PLATÃO, 2012, p.315)
O filósofo grego, ainda, continua dizendo que “ao longo deste muro, homens que transportam toda espécie de objetos
que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de
toda espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam,
outros seguem calados” (PLATÃO, 2012, p.315).
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Assim, conforme narra Platão, os homens agrilhoados e inertes, ao
olharem para as sombras dos objetos projetadas na parede à frente deles, as imaginariam
como sendo a única realidade possível, e atribuiriam a elas a procedência dos
sons emitidos pelos transeuntes que se movimentam por detrás do muro.
Mas e se um destes prisioneiros fosse liberto e tirado para fora da
escuridão da caverna, conhecendo assim a luz do sol? Através deste diálogo,
Platão afirma que se assim fosse,
Logo que alguém soltasse um deles, e o
forçasse a endireitar – se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar
para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia
de fixar os objetos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se
alguém lhe afirmasse que até então só vira coisas vãs, ao passo que agora
estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais
reais? E se ainda, mostrando – lhe cada um desses objetos que passavam, o
forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria em
dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os
que agora se mostravam? (PLATÃO, 2012, p.317)
O habitante da caverna, portanto, após seu êxodo, padeceria de inúmeros
desconfortos até que seus olhos, habituados à escuridão, pudessem contemplar a
luz do sol sem dificuldade e seu corpo, estático por tanto tempo, viesse
superar as dores oriundas dos movimentos que agora fazia.
A caverna, para Platão, simboliza a ignorância: afirma posteriormente
Willian Shakespeare, “não há trevas,
senão na ignorância” ¹. Porém, já no início da construção desta alegoria, o
filósofo mostra que a ignorância é resultado do grau de educação que recebemos
ou não.
O interessante é que, para Platão, assim como os olhos podem ser inúteis
para aqueles que não sabem direcionar o seu olhar, como no caso dos habitantes
da caverna, o pensamento pode conduzir ao engano para quem não sabe pensar. “A
faculdade de pensar é, ao que parece de um caráter mais divino, do que tudo
mais; nunca perde a força e, conforme a volta que lhe derem, pode tornar-se vantajosa e útil, ou
inútil e prejudicial.” (PLATÃO, 2012, p.321).
Exemplo disto é o fato de que no mito da caverna o personagem que a ela
retorna, acaba sendo assassinado ao tentar alertar os outros habitantes acerca
da ignorância em que viviam; tipifica Sócrates, condenado à morte em Atenas em
razão de seus ensinamentos. Os que permaneceram na caverna são os sofistas. Ora
mais não seriam os sofistas homens instruídos nas diversas áreas do
conhecimento na antiga Grécia? Por que reduzi-los então aos ignorantes
persistentes da caverna? Chegamos neste ponto à “docta ignorância” socrática
“Só sei que nada sei”: estaria neste paradoxo o caminho para se tornar um
homem sábio, admitindo que nada sabe.
Quando julgamos saber, permanecemos no terreno da superficialidade, ou como no caso dos moradores da caverna, nos tornamos cativos daquilo que é aparente. E, Como disse Guimarães Rosa ² "O animal satisfeito dorme", a conformidade e a adequação a realidade vigente nos conduz a um estado de letargia, e que muitas vezes, nem mesmo a dissonância de uma voz carregada de questionamentos é capaz de aplacar.
Quando julgamos saber, permanecemos no terreno da superficialidade, ou como no caso dos moradores da caverna, nos tornamos cativos daquilo que é aparente. E, Como disse Guimarães Rosa ² "O animal satisfeito dorme", a conformidade e a adequação a realidade vigente nos conduz a um estado de letargia, e que muitas vezes, nem mesmo a dissonância de uma voz carregada de questionamentos é capaz de aplacar.
Não teríamos nós construído a civilização baseados nas sombras do conhecimento? Pisamos na lua, enviamos robôs a Marte, mas a paz continua sendo terra de ninguém. Não estaríamos nós ainda com nossos pés plantados no solo úmido da caverna?
Por muito tempo perdurou a ideia de que uma imagem vale mais do que mil palavras; no entanto, a realidade nos faz ver o contrário, que uma palavra, pode valer mais do que mil imagens.
Por muito tempo perdurou a ideia de que uma imagem vale mais do que mil palavras; no entanto, a realidade nos faz ver o contrário, que uma palavra, pode valer mais do que mil imagens.
Um exemplo disto é GAZA, onde o sangue é o preço a se pagar em nome de uma tradição, quando uma "civilização" insiste em viver ainda nos cenários da caverna.
NOTAS
1. In SEITZ, 1980, p. 163.
2. In CORTELLA 2008, p. 11.
1. In SEITZ, 1980, p. 163.
2. In CORTELLA 2008, p. 11.
REFERÊNCIAS
CORTELLA, Mário Sérgio. Não Nascemos Prontos. Ed. Vozes. Petrópolis, 2008.
HAWKING, Stephen e MLODINOW, Leonard. Uma Nova História do Tempo. Trad. Vera Paula de Assis. Ed. Agir. Rio de Janeiro, 2012.
PLATÃO. A República.Trad. Maria Helena
da Rocha Pereira. Ed. Calouste. Lisboa, 2012
SEITZ, Bruno. Cinco Mil
Ilustrações e Pensamentos. Ed. Pensamento. São Paulo, 1980.
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