Por: Edinei Marcos Grison.
Com o pretexto de
realizar um resgate teórico-biográfico de Gilberto Freyre e Octávio Ianni, apresenta-se
o Brasil como morada de raças, conciliações e desigualdades no presente ensaio.
Tais matizes mesclam o Brasil mestiço de Freyre e o desigual de Ianni na
construção das noções que definem o Brasil no que tange a cultura, sociedade e
poder.
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[...] evitando estímulos
sem justo motivo; todos somos filhos da Patria; ella [sic] pertence a todos;
nós a devemos amar, socorrer, defender e pôr em socego, por que isto redunda em
nosso benefício; haja união bem serrada em nossas almas...
O Brasil do patriarcado não é um Brasil da
desigualdade, atenuante de condições sociais, direitos civis. É um Brasil feito
a partir das diferentes culturas em um espaço de possibilidades de vivências entre
contrários, em conformidade com a condição social que estivesse vivendo, em
prol do bem da ordem e da nação. No espaço de morada Brasil haveria espaço para
todos. Não existiria distância entre a Casa Grande e a Senzala, mas diferença e
relações entre diferentes conciliáveis. Sobre isso complementa Freyre (2004,
p.30):
O centro de interesse para
o nosso estudo desses antagonismos e das acomodações que lhes atenuaram as
durezas continua a ser a casa ─ a casa maior em relação com a menor, as duas em
relação com a rua, com a praça, com a terra, com o solo, com o mato, com o
próprio mar.
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A sociedade patriarcal brasileira para
Freyre é admirável pela possibilidade de acomodação de brancos e pretos[2].
Senhores e servos pais e filhos, mulheres e homens. Das casas grandes, vieram
os sobrados, identificando o processo de urbanização na sociedade patriarcal em
queda no seu sentido agrário. A senzala ficou reduzida ao quarto do criado, ou
até ao que se chamava de mucambo. Sobrados e cortiços cresciam um a ao lado do
outro. E para Freyre, natural a relação de um e outro pela diferença.
O espaço da rua no Brasil patriarcal revela
a impureza do público. A casa, a pureza e a proteção do luxo. Contra as
intempéries de um espaço impuro revelado na rua, imponentes leões, cachorros,
gatos, tigres se desenhavam nos umbrais dos sobrados em proteção ao espaço puro.
A rua permitia um espaço de confraternização, relação, complementariedade e
relação dialógica. Uma verdadeira conciliação. A nova sociedade brasileira,
agora não mais na sombra das casas grandes e senzalas, morava na imponência dos
sobrados e na simplicidade dos mucambos. Todos passaram aos poucos a valorizar
o espaço da rua como a possibilidade do diálogo entre todos.
Do domínio da classe nobre, a rua foi dando
espaço também para o moleque, para a negra e para o negro. Esta, a expressão
real da rua brasileira. O Brasil sendo patriarcal revela a construção de um
tipo social de homem, aquele da facilidade de comunicação entre raças, festas,
eventos e classes e um espaço de morada da mestiçagem.
Contra visões sectárias de desigualdade,
exploração, Freyre sugere uma abordagens descritiva, interpretativa do Brasil
pelo modelo da revelação. Em vez de desajustes, equilíbrio e ajustamentos
culturais, Freyre vê no Brasil espaços que não possuem as objetividades de
espaços persistentes na desigualdade, mas campos de manifestação e
desenvolvimento da mestiçagem no Brasil como morada.
Se para Gilberto Freyre a história do Brasil
se dá entre culturas num espaço de morada da diferença, na complementariedade
do povo brasileiro entre negros e brancos, senhores e servos, para Octávio
Ianni este é o nó central da formação do povo brasileiro, a partir da
desigualdade, da opressão e da triste realidade racista, escravista. Segundo
Ianni (1996, p. 115): “Na história da sociedade brasileira, desde a
Independência, a problemática racial sempre representou, e continua a
representar, uma perspectiva importante para a compreensão de como se forma o
povo”.
A compreensão
dialética da formação do povo brasileiro de Ianni dinamiza o olhar para a
desigualdade a distância entre o que para Freyre era complementar e
conciliatório, ou seja: as raças. Ianni apresenta três raças que foram
agraciadas pela tristeza na história do Brasil, a saber: o índio (aldeado), o
negro (escravizado/expatriado) e o mestiço (uma síntese da desigualdade e da
mistura racial brasileira).
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A partir do momento
que o Brasil segregou/desenhou espaços de exclusão na sua construção social,
apresentou o índio, o negro e o mestiço como exemplos discretos de sua
desigualdade interna, concomitantemente apareceram espaços puros e impuros como
identifica Ianni (1996, p. 116): “Por meio de uma taxionomia inocente, constroem-se
os elos e as cadeias de uma estrutura na qual se distribuem os puros e impuros,
superiores e inferiores, civilizados e bárbaros, históricos e a-históricos”.
Binômios e
dicotomias são marcantes entre os espaços e as raças no Brasil. Tais dicotomias
revelam as identificações entre a cidade e o rural, entre o puro (europeu) e o
mestiço (miscigenado brasileiro). A proporcionalidade das misturas, em estado
desigual incentivou a vinda de europeus de forma desenfreada, fundamentando os
simpáticos processos de branqueamento.
A invenção do negro
no Brasil segue os padrões do homem branco. Assim todo um movimento de incutir
este negro no outro, fundamenta as desigualdades entre raças presentes desde a
independência. Impossível desconsiderar a presença do negro na formação do
estado nacional brasileiro. As
revoluções burguesas em marcha na história do Brasil trouxeram o arianismo como
elemento congênito. A ordem e o progresso fundamentam na história do povo
brasileiro o binômio da domesticação/controle pela uniformidade. Escravos
passam a serem os trabalhadores livres, sem nada mais que a mão de obra a ser
vendida pela moeda da exploração capitalista modernizante. Tanto o advento das
cidades como o surgimento do processo de industrialização, forçou o desenho, a
metamorfose do Brasil conciliável de Freyre para desigual de Ianni (1996,
p.130):
Uns querem circunscrever os
membros da população à condição de trabalhadores: sem luxúria nem preguiça.
Outros querem a transformação do negro, mulato, índio, caboclo, imigrante em
cidadão. E há aqueles que procuram mostrar as desigualdades sociais,
econômicas, políticas e culturais que constituem e reproduzem as desigualdades
raciais.
A sociedade e a cultura impressa no
Brasil/burguês ao mesmo tempo em que se desenha a desigualdade, rabisca
sentidos de liberdade e igualdade irreais à realidade brasileira. Projetos de
grupos seletos, da elite branca inculcam a cultura européia nos espaços
assimétricos das realidades do povo brasileiro. Atrelada à raça, a cultura e a
sociedade brasileira, existe a desigualdade social.
O incentivo aos fluxos migratórios europeus
trouxe ao Brasil o desenvolvimento social ocidental, nunca visto pelos negros e
mestiços que se acumulavam, outrora em meio às senzalas, doravante mucambos. A
população conquistada revela o Estado militarizante, paternalista sufocante.
Visões contraditórias revelam um país
desigual pulverizado pela conquista burguesa que inocentou na conquista pela
dominação do índio, negro e o mestiço. A partir deste olhar, Ianni (1996,
p.143) representa a formação cultural pelo óculo dialético.
É verdade que a cultura
apresenta especificidades, sistemas significativos, conjuntos que articulam
passado e presente, construções ideias, representações românticas, realistas,
naturalistas, parnasianas, modernistas e outras.
A dinâmica cultural da formação do povo
brasileiro no presente, passado, realista ou ideal, serviu-se de mitos,
personagens e a relocação do problema entorno ao estado nacional Brasileiro.
Para todos, ou posse de alguns?
A cultura hegemônica construída na formação
do povo brasileiro requer reinterpretação. O recorte histórico de 1964 – 1985 exemplifica
o que representou, segundo Ianni (1996, p. 153) “a cultura do bloco de poder”. Oliveira
Vianna representou a referência científica e teórica para a existência do
Estado Forte Militar. Entre blocos e grupos o Brasil se constitui em realidades
desiguais, racistas, arianas e opressoras.
Entre casas
grandes, senzala, sobrados, mucambos, índios, negros e mestiços houve a constituição
da história política e social do Brasil. Do patriarcado a modernidade
brasileira, mitos e realidades representaram tipos ideias em muitos casos, a
realidade desigual e oprimida.
De Jeca Tatu a
Zumbi dos Palmares indignações e inquietações reformam as visões culturalistas
que integravam a opressão, a desigualdade e o poder no mito da morada
sustentável entre os trópicos no Brasil. Do arianismo, ao aldeamento dos índios
e a segregação da senzala, o povo brasileiro surge pela mestiçagem identificada
por Gilberto Freyre nas obras: Casa Grande e Senzala e Sobrados e Mucambos.
O patriarcado
desenhou a história antiga no agrarísmo recôndito das propriedades com suas
casas grandes e senzalas, rudimentares, ainda não atingidas pela modernidade
burguesa, entre sobrados e mucambos que doravante anunciariam o desenho das
cidades modernas como sinônimo de Brasil em progresso. A busca de autonomia e
soberania nacional, necessariamente passaria pela urbanização e pela
industrialização como sinônimos de modernidade.
Contradições refletiram
na realidade sensível do Brasil a modernidade. Espaços se construíram culturas
e significados se descontruíram e a origem do povo brasileiro se fez na
dinâmica entre cidade, periferia, patriarcado e modernidade. A ingerência de nações externas ao Brasil,
desigualdade social interna e instabilidade econômica, nortearam os limites da
sociedade brasileira na forma de pensar este Brasil por ora visto como morada
de diferentes, conciliáveis e ora de diferentes distantes e desiguais.
REFERÊNCIAS
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande
& Senzala: formação da
família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50. ed. São Paulo: Global, 2005.
_______________. Sobrados
e Mucambos: decadência do
patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 5. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
2004.
IANNI, Octávio. A Ideia
de Brasil Moderno. São Paulo:
Brasiliense, 1996.
____________. Tipos e Mitos do
Pensamento Brasileiro. São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
v.17, n. 49, jun. 2002.
PERES, Maria Thereza Miguel; TERCI, Eliana Tadeu. Revisitando a Modernidade Brasileira: nacionalismo e
desenvolvimentismo. Revista Impulso,
n. 29, [s.d].
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