Por: Everton Marcos
Grison
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“O esporte é
um filho do progresso,
e já
contribui por conta própria
para a
imbecilização da família”[1]
São muitas
as questões que envolvem o assunto Copa do Mundo FIFA no Brasil. Entre os muitos
pontos a serem debatidos, nesta reflexão, optamos por centrar o esforço no tema
do cordão de isolamento que será erigido nas proximidades dos estádios.
Focaremos no caso de Curitiba, mas, a regra do “muito para poucos” parece
repetir-se nas outras capitais sedes do evento. Tal cordão de isolamento nos
dias de jogos transferirá ruas, espaços públicos, propriedades privadas e
comércio, para a gestão da FIFA. Isso quer dizer que haverá um espaço de
exceção[2] nesse
período dos jogos.
Vamos focar, então, no caso da Arena da Baixada, que deveria chamar-se nas águas de junho, de Arena das Alturas ou mesmo, Monte Everest, pois como a montanha, este estádio será visitado por poucos. Por outro lado, também faz sentido chamá-lo assim, devido as proporções das cifras gastas no imbróglio; 330 milhões de reais[3].
Para iniciarmos a reflexão sobre o
tema da exceção, partiremos da definição dada pelo dicionário Houasis; “Exceção: ato ou efeito de excetuar... 1-
desvio de uma regra ou de um padrão convencionalmente aceito... 2- aquilo que
se desvia ou exclui de regras e padrões... 3- não-inclusão... 4- condição ou
situação privilegiada.” (HOUASIS, 2007, p. 1280).
Como podemos
ver através da definição, de modo geral, o espaço de exceção significa um local
que só pode ser acessado por algumas pessoas ou grupos, isto é, privilegiados,
que possuem os meios que possibilitem tal acesso. No caso que nos interessa, se
fosse apenas o acesso ao estádio que estivesse sendo barrado, não haveria problemas,
visto que é uma propriedade particular, mas, trata-se de restringir um espaço
que já é público: as ruas e arredores públicos do estádio[4]. Desta
maneira, isso se configura como um caso de exceção.
Tal medida não é completamente
arbitrária, pois está baseada na famosa “LEI da COPA[5]”, a qual
divide juristas sobre sua constitucionalidade, mas que foi votada e sancionada
pelo governo federal. Nesta reflexão não nos interessa tal querela jurídica,
mas, a passagem da normalidade, ou seja, do livre acesso e o ir e vir aos
espaços públicos e privados, que é garantido pela Constituição, para o estado
de exceção.
Para Noberto
Bobbio (1998);
A passagem da
normalidade ao estado de exceção implica duas avaliações fundamentais; a
verificação da situação de perigo para a ordem pública e a determinação da
necessidade de reagir com medidas excepcionais... normalmente os órgãos aos
quais compete a constatação e a avaliação da situação de perigo são os mesmos
que estão habilitados a pôr em prática as medidas extraordinárias previstas
para o Estado de sítio, com a consequência de que pode ocorrer – como de fato
tem ocorrido na prática de vários ornamentos – que a avaliação dos perigos para
as instituições seja feita em função do comportamento de grupos de oposição. (p.
413).
A medida
assumida pelo governo brasileiro, juntamente com a FIFA, que é uma grande
indústria privada, busca barrar sob qualquer circunstância, mobilizações que
venham a “perturbar” a ordem pública. O cordão de isolamento e o espaço de
exceção garantirão o “Padrão FIFA”. Entretanto, isso só será possível passando
como um rolo compressor sob os direitos do cidadão, brasileiro, que paga seus
impostos, tem registro geral que garante sua nacionalidade e é tratado
reiteradamente como palhaço. Esta lei é uma afronta a todo cidadão brasileiro
de direito. Na frase instigante de Karl Kraus: “o progresso faz porta-moedas de pele humana”[6].
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Observadas as disposições da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil), é obrigado a indenizar os danos, os lucros cessantes e
qualquer proveito obtido aquele que praticar, sem autorização da FIFA ou de
pessoa por ela indicada, entre outras, as seguintes condutas: I -
atividades de publicidade, inclusive oferta de provas de comida ou bebida,
distribuição de produtos de marca, panfletos ou outros materiais promocionais
ou ainda atividades similares de cunho publicitário nos Locais Oficiais de
Competição, em suas principais vias de acesso, nas áreas a que se refere o art.
11 ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles[7].
Aos comerciantes que se aventurarem sem autorização da
FIFA, o Art.33 estabelece as regras e a pena:
Art.
33. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou
praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela
indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência
dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária: Pena -
detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa[8].
Para quem desobedecer às ordens da
FIFA, o resultado será uma detenção ou
uma multa, a ser paga à instituição atingida. Aliada a toda esta polêmica está
o tema da liberdade da cidade[9], ou
seja, a reflexão sobre a questão urbana[10], que
leva seus desdobramentos para o debate mais que necessário acerca dos impasses
da política urbana no Brasil[11],
passando pelas urgências clássicas da saúde, educação, segurança e transporte.
O que parece se configurar de momento é que, se estamos vivendo um “novo tempo do mundo[12]”,
como faz crer Paulo Arantes, ele exige uma reflexão aprofundada, repassando os
“marcos” do século XX entre eles; a Primeira Guerra Mundial, a Quebra da Bolsa
de Valores de 1929, A Segunda Guerra Mundial, O Golpe de Estado de 64, a
Ditadura Militar, o Maio de 68 e a Guerra Fria.
Tal repasse refresca nossas
memórias, chamando a atenção para que não usemos as velhas bússolas e os velhos
mapas. Sem uma rememoração corremos o risco de aceitar silenciosamente em nosso
berço pouco esplêndido, os desmandos e imposições do capital estrangeiro (FIFA)
em nosso país. Cabe aqui, apontar que na Copa do Mundo viveremos sim, um estado
de exceção, orquestrado pelos interesses desenfreados de lucro da FIFA e aceito
pelo governo brasileiro[13]. Se
terminar em desastre, será um desastre anunciado.
Referências
ARANTES, Paulo. O Novo
tempo do Mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. São Paulo:
Boitempo, 2014. (Col. Estado de Sítio).
BOBBIO, N. ; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política: A-Z. Tradução de Carmen C. Varriale,
Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cacais e Rengo Dini. 11ª
ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.
HOUASIS, Antônio & VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houasis da língua portuguesa.
2ª reimpressão com alterações. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
MARICATO, Ermínia. O
Impasse da Política Urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.
MARICATO, Ermínia [et al]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as
ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013. (Col. Tinta Vermelha).
Notas:
[1]
KRAUS, Karl. Aforismos. Seleção, tradução, glossário e apresentação de Renato
Zwick. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2010, p. 56.
[2] Nesta
reflexão usamos “Espaço de Exceção” e “Estado de Exceção” como sinônimos.
[3] O
projeto inicial foi orçado em R$: 180,000.000,00.
[4] Segundo a
Lei da Copa (Seção II, Das
Áreas de Restrição e Vias de Acesso, Art. 11): “§ 1o Os limites das áreas de
exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão
tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os
requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados, atendidos os
requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2 km (dois quilômetros)
ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm
(Acesso em 17/05/2014 as 08:30).
[5]
Neste link, encontra-se o texto completo da Lei da Copa: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm
(Acesso em 17/05/2014 as 07:00).
[6]
KRAUS, Karl. Aforismos. Seleção, tradução, glossário e apresentação de Renato
Zwick. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2010, p. 147.
[7]
A referência dessa parte do texto da lei também se encontra no link indicado
nas notas anteriores.
[8]
Ibidem.
[9] Para
aprofundamentos indicamos o texto: A
Liberdade da Cidade, de David Harvey. (p. 27-34). In:MARICATO, Ermínia...
[et al.]. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas
do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013. (Col. Tinta Vermelha).
[10] Para
aprofundamentos indicamos o texto de Ermínia Maricato: É a questão urbana, estúpido! (p. 19-26), presente na coletânea
Cidades Rebeldes, indicada na nota anterior.
[11]
Indicamos sobre o assunto, a reunião de textos de Ermínia Maricato organizados
no livro: O Impasse da Política Urbana
no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.
[12]
Destacamos a entrevista feita ao autor, que está presente no livro intitulada: “Tempos de Exceção”, p. 315-327.
[13]
Tal aceitação fica evidente na assinatura da LEI DA COPA.
2 comentários :
Fico indignado, talvez esta seja a palavra mais correta, quando o Estado abre brecha na sua constituição para beneficiar uma corporação como a FIFA. Admito sim os benefícios econômicos que a copa trará para o Brasil (estou ironizando), como por exemplo : Estádios moderníssimos, empregos temporários, e uma otimização econômica no setor hoteleiro e etc. e tal. Em contrapartida,após a copa a FIFA poderá dizer : Pintamos e bordamos! Abdicamos do nosso patrimônio moral, da nossa dignidade, em troca de um entretenimento que só é convertido em capital para as grandes cabeças!
Para apimentar a reflexão, indico o texto que se encontra no link abaixo: http://www.viomundo.com.br/denuncias/amaury-ribeiro-jr-como-funcionou-a-privataria-do-futebol-brasileiro.html
Quando escrevi o texto não tinha tomado conhecimento dessa empreitada do Amaury Ribeiro. A indústria FUTEBOL é muito maior e perigosa.
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