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Por: Oséias Marques Padilha
Ainda no século XVII o filósofo francês
Blaise Pascal afirmou: “O homem não é senão
um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante”¹. Um caniço
que mesmo tendo ultrapassado o céu, pisado o solo Lunar, continua sendo “Um nada com relação ao infinito, um tudo
com relação ao nada, um meio entre o nada e o tudo, infinitamente afastado de
compreender os extremos; o fim das coisas e seu princípio estão para ele
invencivelmente escondidos num segredo impenetrável”².
Quem
dera pudéssemos perpetrar nossa interioridade (há uma interioridade? Em que ela
consiste?) da mesma maneira como nos é possibilitado sondar as propriedades mais
recônditas da matéria, a luz de lentes que nós mesmos projetamos, subsidiados
pelo nosso conhecimento cientifico, e podermos encontrar uma psyché, um cogitos, um alguém ou uma
substância capaz de preencher as lacunas concernentes a nossa essência.
Na
impossibilidade de tal façanha, sentimos ainda reverberar em nós o espanto do
qual foram tomados os mais antigos sábios diante do mistério da existência, do
qual nasceu, não somente a religião, mas também a reflexão filosófica, e assim
como Pascal, o homem hodierno ainda é constrangido a exclamar: “o silêncio eterno desses espaços infinitos
me apavoram”³.
É
bem verdade que nossa geração aumentou em décadas a expectativa de vida em
relação às gerações anteriores com avanço das ciências médicas, e, com a
criação de métodos profiláticos cada vez mais eficientes foi possível à
erradicação de inúmeras doenças.
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No entanto, nos parece que quanto mais
vive o homem, mais pusilânime este se torna. Os primatas temiam as feras, os
medievais temiam os barbáros. Nós tememos a inflação e a queda do Índice Dow
Jones. Não que tais preocupações sejam irrelevantes, pois diretamente nos
afeta, mas denunciam ainda mais nossa fragilidade.
Apoiados
sob as próteses de nossas ideologias políticas, conquistas tecnológicas,
acordos diplomáticos, seguimos claudicando pela via quimérica do progresso. Não
estaríamos hoje fartos de eruditismo, mas vazios de conhecimento? Ou não
estaríamos transbordando de futuro, mas vazios de vida?
Em Assim Falou Zaratustra, Nietzsche narra
um evento curioso vivido por seu profeta dançarino numa passagem intitulada Da Redenção, onde ao passar por uma
grande ponte, Zaratustra é cercado por aleijados e mendigos, atraídos por sua
pregação, e no meio deles, um corcunda se dirige a Zaratustra dizendo:
Olha Zaratustra! Também o povo
aprende contigo e ganha fé na tua doutrina: mas, para que ele creia em ti
completamente, uma coisa ainda é necessária – tens de convencer também a nós
aleijados! Tens aqui uma boa coleção deles e, na verdade uma senhora
oportunidade! Podes curar os cegos e fazer andar os paralíticos; e daquele que
tem coisa demais nas costas poderia também tirar um pouco: - acho que esta
seria a maneira certa de fazer os aleijados acreditarem em Zaratustra!.4
Zaratustra
rejeita a petição do corcunda, e ainda afirma que “Desde que estou entre os homens, isto me parece o mínimo do que vejo:
‘A este falta um olho, àquele uma orelha e a um terceiro a perna, e a outros
que perderam a língua, o nariz ou a cabeça’”. 5
Nietzsche
através desta alegoria, alude justamente ao humano fragmentado pelo
conhecimento especializado, que Zaratustra classifica como sendo uma espécie de
“aleijados às avessas”, “homens que tinham muito pouco de tudo e demasiado de
uma coisa só” 6
Santo
Agostinho, filósofo e cristão devoto assim como Pascal, mas ainda antes deste,
dizia nas Confissões “Criaste – nos para Vós e o nosso coração
vive inquieto, enquanto não repousa em Vós.” 7 Mais que uma
verdade cristã doutrinária, esta frase expressa um descontentamento universal, ínsito na natureza humana, uma sensação de deslocamento que nos advém durante o
curso deste nosso périplo prometeico.
Se
comemos furtivamente do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, ou se
roubamos o fogo dos Deuses, certo é que por alguma razão parece termos sido
privados da verdade. Mas ainda que frágeis como um caniço, não fomos privados
de viver, e de pensar,: “Toda nossa
dignidade consiste, pois no pensamento. É daí que temos de nos elevar, não do
espaço e da duração que não conseguiríamos preencher. Trabalhemos pois para
pensar bem : eis aí o princípio da moral”. 8
Notas
* Agradecimentos pela revisão feita por Thaís Carolina da Silva.
* Agradecimentos pela revisão feita por Thaís Carolina da Silva.
1.
PASCAL, 2005, p. 86
2.
PASCAL, 2005, p. 80
3.
PASCAL, 2005, p. 86
4.
NIETZSCHE, 2011, p. 131
5.
NIETZSCHE, 2011, p. 131
6.
NIETZSCHE, 2011, p. 132
7.
AGOSTINHO, 1999, p. 37
8.
PASCAL, 2005, p. 86
Bibliografia
PASCAL, BLAISE. Pensamentos.
Trad. Mario Laranjeiras. São Paulo. Ed. Martins Fontes, 2005.
NIETZSCHE,
Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Trad. Paulo Cesar de Souza. São Paulo. Ed. Companhia das
Letras, 2011.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. J. Oliveira
dos Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina, S.J. Rio de Janeiro; Vozes de Bolso,
2011. (Coleção Vozes de Bolso).
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