Os percalços apresentados podem ser compreendidos ao menos sob três aspectos[10]:
1) Político: usa-se a implantação da disciplina na matriz curricular como palanque eleitoral ou, ao contrário, sua possível retirada como ameaça, gerando uma luta interna da classe profissional. Também são criadas leis que efetivamente obrigam as pessoas a terem uma disciplina de conteúdos filosóficos, com conteúdos selecionados, deixando-se outros de fora como se fossem menos importantes. Além disso, muitas vezes, a disciplina escolar é colocada em prática apenas pela sua obrigatoriedade, levando às salas de aula profissionais com pouca qualificação e engessando, por outro lado, a criatividade dos profissionais qualificados.
2) Econômico: mais relacionado às universidades. Ao mesmo tempo em que há o apelo pela produção filosófica, esse aspecto precisou se enquadrar em um sistema de produção textual, com prazos determinados, reduzindo a qualidade da produção. Além disso, há uma disputa pelas bolsas de pesquisa, de modo que essa disputa acaba influenciando no fenômeno da descaracterização da produção filosófica, denunciado por Susan Haack[11]. Outro fato econômico seria o modo como empresas tem se beneficiado de um mercado editorial, levando à frequente banalização da filosofia[12].
Apesar de haver muitos outros aspectos que não cabem neste texto, é perfeitamente compreensível que existam discordâncias. Nem todos creem que os percalços realmente o sejam da forma como foram apresentados. O objetivo desse texto não é ser exato, mas filosófico, com relação às dificuldades mais básicas enfrentadas no dia a dia do professor de filosofia em meio a uma sociedade de consumo rápido (fast food).
Em vista de tudo que foi apresentado é importante ressaltar a utilidade da filosofia como algo que não precisa se submeter aos caprichos do mundo capitalista neoliberal. A própria forma interna da racionalidade filosófica geralmente consegue contribuir significativamente no desenvolvimento da capacidade dos estudantes de analisar o que ocorre no mundo – ajuda no amadurecimento do sujeito, ainda que nunca chegue a um estado definitivo de maturidade. Desse modo, não há como sustentar que a filosofia como disciplina não acrescenta nada ao conhecimento humano. O conhecimento filosófico por si só já é algo que ajuda (não fazendo tudo sozinho) a diminuir o espaço vazio da ignorância. Portanto, um espaço para o ensino de filosofia já foi conquistado, resta agora pensar em um modo de dar sentido a ele, para que não seja novamente perdido.
[1] Professor da rede pública do Estado do Paraná, criador e desenvolvedor do blog Reflexão Dialogada. Agradece ao Prof. Everton Marcos Grison por comentários críticos referentes ao assunto.
[2] “Quem sabe seja interessante dar uma visitada nas declarações do José Artur Gianotti, professor muito reconhecido da USP, e totalmente contrário ao ensino de filosofia no ensino médio. Ele diz: ‘para que filosofia no ensino médio? Para a pessoa ter seu diploma e trabalhar de empacotadora no mercado? ’ Uma vez ele esteve na UFPR, infelizmente não pude ir, ocorreu uma discussão muito complexa sobre suas posições, pois ele ajudou a formular o projeto de volta da disciplina aos currículos escolares, e hoje é contra o seu ensino no nível médio. Suas reflexões são atuais. Se não me engano ele publicou um livro ano passado falando disso” (Prof. Everton Marcos Grison ).
[3]ZIMMERMANN, Roque. O sociólogo que vetou a sociologia, s.d. Disponível em: <
http://www.consciencia.net/filosofia/padreroque.html>. Acesso em: 20 março 2013.
[4] “Sobre isso é interessante dar uma olhada na apresentação escrita pela Marilena Chauí para a Antologia de Textos Filosóficos. Ela abre seu texto de apresentação com esta frase e discute a “utilidade da filosofia”” (Prof. Everton Marcos Grison). Acrescento a referência à Marilena Chauí, que em um pequeno trecho do texto afirma que “a filosofia foi excluída da grade curricular [no período da ditadura] por ser considerada perigosa para a segurança nacional, ou como se dizia na época, ‘subversiva’” – Prefácio a Antologia de Textos Filosóficos (SEED/PR).
[5]GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo [org.]. Métodos de pesquisa. Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. Disponível em:<
http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf>. Acesso em: 21 março 2013. Uma ferramenta conceitual pode ser entendida se pensarmos na analogia da pá do pedreiro. O pedreiro a usa para construir. Assim, o estudante de filosofia usa conceitos para construir novos conhecimentos, com um novo sentido para ele próprio.
[6]Ademir José Rosso; José Augusto de Carvalho Mendes Sobrinho. O Senso Comum, a Ciência e o Ensino de Ciências. Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 19, no. 3, setembro, 1997. Disponível em:<
http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/v19_353.pdf>. Acesso em: 21 março 2013.
[7] “Quem sabe seja interessante ressaltar que a filosofia é um admirar-se pelas coisas. Uma busca pelos por quês, os “o quês”. Ela está presente em todas as áreas, pois cada qual da sua maneira desenvolve uma curiosidade, possuem uma admiração por algo e tentam cada uma a sua maneira, conhecer o que está diante de si” (Prof. Everton Marcos Grison).
[8] O conceito de Fetiche é trabalhado por Enrique Dussel relacionado ao poder político em sua obra 20 Teses de Política (Ed. Expressão Popular, 2007). No entanto é perfeitamente fácil relacioná-lo ao problema da preferencia por certos cursos Universitários de nossa sociedade ocidental contemporânea.
[9]CONSAE. Licenciaturas. É o fim delas? O que o MEC fez no passado? Por que o MEC e o CNE consentem na permanência do programa instituído pela resolução CNE 2/1997? O que o MEC vem fazendo? Consae, 2010. Disponível em: <
http://www.cursosconsae.com.br/SIC/SIC2710.pdf>.Acesso em: 20 março 2013.
[10] “Outro percalço é o distanciamento existência entre a universidade e a escola pública. Deveríamos efetivamente parar com a ideia de que na universidade se pesquisa, enquanto que na escola pública se ensina” (Prof. Everton Marcos Grison).
[11]HAACK, Susan. Manifesto de Uma Moderada Apaixonada: Ensaios Contra a Moda Irracionalista. Loyola/SP; PUC/RJ, 2011. Em seu livro, Haack explica como a pesquisa científica atual no campo da filosofia tem sido descaracterizada, tornando-se produção literária, desvinculada da busca pela verdade. Escreve-se texto literário, mas usa-se o nome de texto científico.
[12]SANCHES, Tatiana Amendola. Filosofia pop: o fenômeno da popularização da filosofia e suas relações com a cultura midiática. Revista Mediação. Vol. 13, Nº 13 - julho/dezembro de 2011. Disponível em: <
http://www.fumec.br/revistas/index.php/mediacao/article/view/547/pdf>. Acesso em: 18 março 2013.
REFERÊNCIAS DE LEITURA
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http://www.cursosconsae.com.br/SIC/SIC2710.pdf>. Acesso em: 10 março 2013.
DUSSEL, Enrique. 20 teses de política. Buenos Aires: Consejo Latino americano de Ciencias Sociales – CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, 2007.
FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, 1996.
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MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007. Disponível em: <
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